Decisões estratégicas sobre a formação dos grupos
1. DEFINIÇÃO DA ENTIDADE EXECUTORA
- A Entidade Executora terá um papel muito importante na organização dos grupos;
- Deverá reunir quadros com experiência em trabalho comunitário de arregimentação de trabalhadores rurais e produtores;
- Deverá ter capacidade de identificação de líderes e de formação de lideranças para o grupo (programas de formação de grupos e lideranças);
- Definirá o quadro de responsabilidades dos técnicos nas áreas de organização comunitária e animação para formação de grupos de produtores, agronomia, microfinanças, assessoria legal, trabalho com as mulheres etc.;
- Deverá desenvolver um tipo de "bolsa" de ofertas e demandas de terra para formação dos grupos, de modo a promover o "encontro" de interesses da região;
- Poderá atuar como "incubadora" de grupos, replicando as experiências da formação dos primeiros grupos
2. IDENTIFICAÇÃO DA LOCALIDADE ONDE O GRUPO SERÁ FORMADO
A escolha da região deve ser cuidadosa. Os seguintes
aspectos devem ser observados:
- Disponibilidade de terras, proprietários, trabalhadores rurais e recursos mínimos para a formação dos grupos;
- Capacidade de mercado para absorver a produção, o que pode ser avaliado mediante um exame competente das oportunidades dos negócios, dos agentes compradores, enfim, do lugar onde se for vender o produto do grupo;
- Disponibilidade de suprimentos de insumos a baixo custo;
- Disponibilidade de terras aptas à geração de renda com as explorações agropecuárias;
- Condições mínimas de beneficiamento ou processamento da produção;
- Existência de Comunidades da Agricultura Familiar, ainda que potenciais.
- Do ponto de vista da oportunidade/viabilidade/rentabilidade do arrendamento e da parceria em relação à compra da terra, vale indicar os casos em que tais arranjos são melhores do que a compra:
Preço da
terra bastante elevado
Arrendamentos e parcerias são comuns no município
Pequenas
propriedades estão se transformando em chácaras
É
considerável o tamanho da área produtiva parada
Região
bastante produtiva
Município
não é contemplado pelo Banco da Terra.
Disponibilidade de mão-de-obra agrícola profissionalizada
3. DEFINIÇÃO DE UMA VISÃO ESTRATÉGICA DO DESENVOLVIMENTO
LOCAL E DAS ATIVIDADES DO GRUPO COM METAS BEM-DEFINIDAS
São metas importantes:
- A geração, em primeiro lugar, de produção para o sustento das famílias;
- A geração de renda para sustentar o grupo;
- Redução da intermediação na venda de produto;
- Redução da intermediação na compra de insumos;
- Acesso a recursos financeiros;
- Comercialização cooperativa, ou seja, "ajuntar a produção"
- Filtrar a qualidade do produto dos participantes
- Reduzir custos (inclusive dos suprimentos de bens básicos) mediante compra em grupo;
- Aumentar a escala da exploração;
- Incluir "novos negócios", inclusive processamento
Exemplos de aumento de escala, controle de qualidade e novos
negócios: No Projeto Praficar, no caso da exploração da suinocultura, criou-se
uma central coletiva de maternidade e creche para os suínos, mas a terminação é
no estabelecimento. No caso da produção de frangos, se o grupo puder contar com
40 sócios e cada um tiver condições, com o apoio do grupo, de tratar de 500
frangos, cada lote do grupo poderá ter 20.000 aves. Assim torna-se viável um
pequeno abatedouro, que no futuro poderá ter o registro SIF (sifado), com uma
meta de expansão dos negócios com qualidade. Os produtores querem a imagem de
produto de qualidade.
4. DIAGNÓSTICO PRELIMINAR
Nessa fase é necessário identificar a estratégia de
desenvolvimento local e definir o "negócio" do grupo, como se
tratasse de um "Plano de Negócio". De acordo com os levantamentos
feitos nas experiência bem-sucedidas de formação de grupos congêneres, a
agricultura familiar tem três problemas iniciais a serem considerados no
momento da identificação do negócio dos consórcios ou condomínios:
- Competitividade do negócio (atividade agropecuária): ele tem que ser competitivo;
- Compromisso de mercado: mesmo considerando que a subsistência é um objetivo importante, o mercado deve ser visto como meta fundamental do grupo;
- É imprescindível haver escala técnica e econômica: o capital social e o financiamento têm que ser suficientes para gerar um fluxo de caixa adequado;
- Prever negócios que articulem e integrem o uso intensivo de mão-de-obra de todos membros da família.
Além disso, há problemas de inserção no mercado e
dificuldades na compra de insumos.
5. ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA BÁSICA
Os grupos deverão ser iniciados nas seguintes práticas:
- Trabalho comunitário altamente participativo;
- Trabalhos cooperativos, "mutirões" comunitários, apoio aos companheiros do grupo;
- Tomada de decisões em grupo: quais as explorações a serem empreendidas, quais os débitos individuais e comunitários a serem assumidos, qual o destino e forma de comercialização etc.;
- Criação de mecanismos de ouvidoria, arbitragem, mediação e conciliação no processo de solução de controvérsias entre os membros dos grupos;
- Fortalecimento dos meios de pressão (dimensão política), reivindicação (dimensão social) e negociação (dimensão econômica), principalmente com os órgãos que devem prover o acesso às políticas públicas e aos bens públicos básicos, dentro do conceito de cidadania;
- Desenvolvimento de tecnologia de "reuniões" (previstas nos Estatutos como forma de substituir as "assembleias gerais"), que têm caráter deliberativo.
6. DEFINIÇÃO DE UMA EXPLORAÇÃO COLETIVA OU COMUNITÁRIA PARA
GRUPOS DE PEQUENOS PRODUTORES
Os pequenos produtores que já têm suas próprias atividades
podem optar entre a exploração coletiva ou comunitária do "negócio"
em que são sócios (consórcio). Pode ser uma exploração de uma área rural coletiva,
um rebanho de vacas de leite etc.
A área rural coletiva servirá também para instruir os
produtores, mostrando-lhes a eficiência econômica de práticas agronômicas e de
cultivo. Será uma área comum, viabilizada pelo sistema de arrendamento ou de parceria.
Todos os produtores podem contribuir, em comum acordo, com animais, insumos
etc. para a realização de um "experimento" e também para a geração de
renda.
Servirá como efeito-demonstração. O produtor poderá comparar
os resultados obtidos na área individual com os resultados obtidos na área
rural coletiva.
Os objetivos da área rural coletiva são:
- Assistência técnica e difusão de tecnologia;
- Geração de recursos para o grupo;
- Melhoramento tecnológico e genético.
Mesmo no caso de grupos de produtores rurais proprietários,
a idéia do arrendamento de uma área para uso comum foi considerada muito boa.
7. CUSTOS DE FORMAÇÃO DE UM GRUPO
Uma das maiores preocupações com a formação de um grupo é o
custo inicial de arregimentação, treinamento etc., a fim de que o mesmo tenha
condições de funcionar e amadurecer. A experiência mostra que esse custo é
muito alto para ser bancado tanto pelos beneficiários quanto pelas instituições
patrocinadoras e animadoras.
Daí a dificuldade de conseguir doações, recursos a fundo
perdido. Além disso, o grupo não tem como amortizar os custos.
Verificar as possibilidades de:
- Trabalho voluntário
- Patrocínio de prefeituras
- Atuação de sindicatos de trabalhadores rurais
- Trabalho das ONGs
8. DEFINIÇÃO DE CAPITAL SOCIAL MÍNIMO PARA INICIAR O NEGÓCIO
O fundo ou capital social mínimo para iniciar o negócio
destina-se a atender às despesas de implantação das atividades econômicas. Os
montantes a serem mobilizados dependem do projeto técnico.
As alternativas são:
Em primeiro lugar, apesar das enormes dificuldades
amplamente conhecidas, verificar a possibilidade de utilização de recursos
próprios, através, por exemplo, de:
Economias com Implantação dos Projetos. Por exemplo, se no
projeto técnico estiver previsto o valor de R$250 para adquirir uma vaca para
cada consorciado e o grupo conseguir comprar em conjunto todo o plantel a R$210
por vaca, os R$40 economizados já capitalizarão o grupo;
Formas similares a "cotas-partes". Para a formação
de um capital de R$500 por membro, cada um pagará dez parcelas mensais de R$50.
Em todo caso, o projeto técnico indicará: o número de sócios
ou condôminos, o valor total do fundo de capital inicial e o montante
necessário por participante. Por exemplo, 40 sócios, com cota-parte de cerca de
R$1.000 por membro, dividida em parcelas de R$50 por mês.
NOTA: Em grupos de trabalhadores muito pobres, seria
impossível um membro encontrar trabalho para gerar os R$50, não haveria ajuda
de membros da família para o capital inicial e seria difícil o financiamento.
Em segundo lugar, através de financiamento (ver o respectivo
capítulo deste Manual).
9. FORMAS DE CAPITALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL
Tão logo se iniciem as atividades, a capitalização do grupo
dependerá do fluxo de caixa gerado pelo projeto técnico.
Verificar rigorosamente a sustentabilidade financeira do
Projeto Técnico como forma fundamental de capitalização do empreendimento.
10. COBERTURA DO CUSTO DO PROJETO TÉCNICO
Os projetos técnicos têm custos de preparação relativamente
elevados, os quais devem ser cobertos, pois do contrário ficará comprometida a
viabilidade do empreendimento.
As fontes de recursos são:
- Participação voluntária de profissionais em ciências agrárias. De preferência, realizar convênios com faculdades e escolas agrotécnicas de nível médio;
- Financiamento da formação do grupo;
- Participação dos profissionais nos resultados do empreendimento, como associados do grupo.
11. CRÉDITO E FINANCIAMENTO
(Ver o capítulo deste Manual sobre financiamento dos
investimentos e crédito de custeio e capital de trabalho).
12. PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NOS GRUPOS
Os consórcios e condomínios devem permitir a participação de
mulheres e jovens do meio rural. Este é um ponto estratégico: ao se desenharem
os grupos, convém identificar as oportunidades de participação de mulheres,
jovens e idosos.
i) Identificação de Oportunidades Para a Participação da Mulher
Esta participação não é ponto pacífico na experiência rural
brasileira, salvo algumas exceções. A mera menção ao tema causa reação,
explícita ou velada. Entretanto, a literatura internacional sobre
desenvolvimento comunitário recomenda que essa participação seja buscada desde
o início do processo de formação de grupos. Há inúmeras vantagens sociais do
ponto de vista da valorização humana, da competência nos processos decisórios,
da capacidade de geração de renda em pequenas atividades no lar e fora dele
etc.
As possibilidades de participação da mulher devem ser
contempladas no início do processo de mobilização para formação de grupos e no
próprio projeto técnico, definindo-se o regime de participação
"societária" das mulheres, as formas de geração de renda adicional
etc.
O objetivo é capitalizar a família. Há inúmeras atividades
que podem e devem ser desenvolvidas no estabelecimento rural, inclusive com uma
salutar administração em separado das "finanças", de modo que a
mulher possa ver o fruto do seu trabalho - fazendo quitanda, vendendo frango
caipira etc.
ii) Identificação de Oportunidades Para a Participação dos
Jovens
Tão importante quanto a participação da mulher é a
participação dos jovens. Muitos migram porque não há terra disponível e porque
não querem ser empregados. Há famílias que gostariam de ter acesso à terra porque
têm mão-de-obra disponível – no caso, jovens que conhecem o trabalho rural.
Talvez o jovem tenha aptidão para o trabalho rural, seja potencialmente um
agricultor eficiente e saiba que imobilizar capital na compra de terra ou
assumir dívida pode não ser tão bom quanto usar todo o seu capital na
exploração agropecuária.